Para Sempre Fefeu

Não foi uma e nem duas vezes que me vi de frente com o livro. Sua capa me chamava atenção e seu conteúdo me interessava. Mas eu andava tão ocupado com outras prioridades que fui adiando a leitura. Pois bem, veio o filme e eu até marquei o dia. Nao lembro se foi uma nevasca ou qualquer outro evento que me impediu de ir. Ou seja, não li o livro e nem vi o filme.


O caso é que eu tenho um amigo das antigas que tal como eu, um dia pegou sua cachorrinha -mala- e foi embora pro Canadá e nunca mais voltou para a amada mangueirosa. Eu ainda cozinhei um pouco, apostava que aquilo ia mudar e tarárá… como diza música – eu fui que fui ficando-. Foi então que que no nascimento do meu segundo filho, não suportando os aumentos indecentes do Danone no Bom Preço. Eu e a Ichiko, também pegamos nossas cachorrinhas e pegamos o trecho.

O meu amigo de braçadas nas águas do rio  Guamá e de mil aventuras, todas embaladas em grandiosos sonhos.Me achou na rede mundial de computadores, logo nas suas primeiras engatinhadas. 

Durante todo esse tempo a gente travou as mais endiabradas conversas. Longos papos nas frias madrugadas , trocas de fotos de nossas famílias , descobertas gastronômicas e pedaços longos de nossa vida de escola. Isso nos revigorava em todos os sentidos.

Já se foram quase cinco semanas que Fefeu me chamou no messenger e intimou que eu tomasse algo forte e senta-se com segurança na cadeira. Foram a pior espera que passei  nos últimos anos…

Fefeu escreveu:

-Fui diagnosticado com a doença de Alzheimer.

Foi uma porrada seca. Como assim? Tens certeza?? Fizeste os exames corretos?? Não seria estresse?? Mady, já sabe?… tantas perguntas de uma só vez e a esperança de ser apenas um grande engano no diagnóstico.

Fefeu é engenheiro e pela complexidade do cargo, sempre lidou com um número grande de pessoas, sempre teve que ser palestrante e etc… mas nos últimos tempos ele vinha tendo uns trecos aqui e ali. Esquecia jantar com amigos , números do celular dos filhos e no meio de um treinamento, algumas palavras simplesmente sumiam.

Eu e Fefeu, muitas vezes mantivemos uma dinâmica parecida para fazermos nosso deslocamento para o trabalho.bicicleta-trem. Mas ele se preocupou de verdade, foi quando desceu do trem e não foi apanhar sua bicicleta e nem sequer lembrava o rumo de casa , ficou vagando sem rumo no seu bairro.

Fefeu tem tomado uma séries de medidas para encarar o cruel adversário . E eu tento por as coisas em ordens sobre nossas aventuras, tenho escritos sobre a gente, lugares, pessoas e sabores. 

Mas está sendo difícil admitir que existe uma borracha desgraçada e corpulenta que vai avançando meticulosamente no cérebro de Fefeu. Borracha maldita que apagará tudo o que sonhamos e vivenciamos. Borracha que impedirá Fefeu de me perturbar pela paixão antiga por Janis Joplin e que irá ceifar Nara Leão de seu coração .

Somos tão jovens.

Seu nome verdadeiro é Ferdinando. Eu não lembro desde quando comecei a chamá-lo de Fefeu. Foi uma homenagem feita para um grande jogador do nosso amado emblema . Ele gostou e a família carinhosamente absorveu.

Para sempre Alice- Ainda Alice – Alice no mamade -Still Alice. invadiu minha cabeça e eu tenho lido e assistido com muita calma. É preciso ter calma para lidar com essas coincidências em nossos caminhos .

 Tenho  também me aproximado de outras coisas em torno do mal que atingiu Fefeu e que agora quando escrevo, também se aproxima de milhares de pessoas no mundo.

Para sempre Alice foi escrito pela neuro cientista Lisa Genova, ou seja, alguém que sabe exatamente o que é o Alzheimer.

Nunca imaginei que a doença de Alzheimer iria estar próxima de um dos meus. Fefeu e sua história de vida se misturam nas páginas do livro. No início isso aumentou bastante o meu sofrimento, mas, em nem um momento pensei em parar com a leitura. Sigo catalogando nossos segredos e espalhando para Mady e seus filhos.

Nossas conversas irão cada vez mais serem encurtadas . Não iremos mais rir juntos das gostosas travessuras e nem mais dividiremos o meio-pão quentinho com manteiga.

A cidade calorenta , sua gente e suas beiradas de rio tão amadas por Fefeu, irão cada vez mais se afastando…

Somos tão jovens. 

O Alzheimer não é uma doença de velhos. Alcançou a mim , ao Fefeu e toda a sua família.

Sei que vai acontecer e que será impossível para mim e para os dele reverter  tudo, com um simples pedido. Tenho aprendido muito dessa escuridão , mas não é fácil …

As palavras falham e aceitar tem sido horrível . Somos tão jovens. porra!
Para sempre Fefeu.
Abaixo, alguns trechos do livro e a letra da música de Nilson Chaves feita quando eu e Fefeu já não estávamos mais morando em Belém. Mas que acabou se tornando um hino para nossa história . 
“— Em geral, fico deitada e me preocupo. Sei que as coisas vão piorar muito, mas não sei quando, e tenho medo de dormir e acordar na manhã seguinte sem saber onde estou, nem quem sou nem o que faço. Sei que é irracional, mas tenho essa ideia de que a doença de Alzheimer só pode matar meus neurônios quando estou dormindo, então, enquanto eu permanecer acordada e meio que de sentinela, continuarei a ser eu mesma.”

“Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia.Vivo o presente. Num amanhã próximo. Esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz este discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o Hoje. Mas isso não significa que o Hoje não tem Importância.”

“Tudo que acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conquistar, agora tudo isso está sendo levado embora. Como podem imaginar, ou como vocês sabem, isso é o inferno. Mas fica pior.”

Não vou sair- Nilson Chaves

A geração da gente Não teve muita chance De se afirmar de arrasar de ser feliz Sem nada pela frente pintou aquele lance De se mudar de se mandar desse país E aí você partiu pro Canadá Mas eu fiquei no “já vou já” Pois quando tava me arrumando pra ir Bati com os olhos no luar E a lua foi bater no mar E eu fui que fui ficando… Distante tantas milhas São tristes os invernos Não vou sair tá mal aqui mas vai mudar Os velhos de Brasília Não podem ser eternos Pior que foi pior que tá não vai ficar Não vou sair melhor você voltar pra cá Não vou deixar esse lugar Pois quando tava me arrumando pra ir Bati com os olhos no luar E a lua foi bater no mar E eu fui que fui ficando…

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